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Alguém ainda se lembra do que ocorreu em novembro de 2015 na cidade Mariana-MG?

  • valordaagua
  • 14 de nov. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 20 de mar. de 2022

Alguém ainda se lembra do que ocorreu em novembro de 2015 na cidade Mariana-MG?


Dia 12/08/2016, eu chegava em Linhares-ES com minha bicicleta para fazer a pergunta aos moradores da foz do Rio Doce. Qual seria o valor da água para as populações que convivem com o rio que sofreu o maior impacto ambiental da história do Brasil e um dos maiores da história da humanidade? E fiz algo inimaginável para mim até então: eu desci quase todo o rio Doce de caiaque. E esse problema vai permanecer dentro do rio Doce e na água das cidades banhadas por ele por muito tempo ainda.

Eu já tinha sete meses de ciclojornada, havia pedalado por dez estados, me aproximava da volta pra Jaú, interior de SP, e do fim da cicloviagem. Como estava sem pressa, eu imaginei pedalar margeando todo o rio Doce até Mariana-MG para ir fotografando todo o desastre e tentar entender como a lama tóxica da barragem rompida em novembro de 2015 afetou o rio, as cidades e as comunidades ribeirinhas que vivem diretamente ligadas ao rio Doce.



Com a ideia de margear todo o rio (da foz em Regência-ES até a Nascente próxima de Mariana-MG), pedalei 70 km até a praia de Regência, distrito de Linhares e foz do rio Doce. Chegando lá, já à noite, decidi ir estender minha rede próxima do mar, afinal, já que a vila estava quase deserta desde o rompimento da barragem, não haveria perigo.

Muitas pessoas e turistas que frequentavam a vila e as ondas de Regência (consideradas uma das melhores do país) deixaram de ir. O medo da contaminação no rio, no mar, da água potável e dos peixes para se comer transformou a vila em um lugar quase deserto e deixou um sentimento de tristeza pairando no ar.

Já estava bem escuro quando chegava perto da praia e escuto uma voz dizendo “ vindo de onde?”. Eu disse que vinha do Pará e ouvi como resposta “legal cara! Eu vim a pé de Santa Catarina. Eu e a sukita”. Sukita era uma cachorrinha linda e o dono da voz era o Heubert, dono de uma pizzaria em Regência e que, como todos os outros moradores do local, com dificuldades pela falta de turistas devido ao medo da contaminação com a lama.

Eu contei a ele o plano de pedalar até Mariana margeando o rio Doce e ele me deu a ideia mais louca e legal da ciclovagem. Bicicleta para quê? Sobe até Mariana e desce de caiaque!

Eu achei a ideia um absurdo! Como? Eu nem tenho caiaque! Eu nem sei remar! Ele me disse que conhecia o rio Doce e que não teríamos dificuldades: “é só soltar o caiaque lá em Mariana e descer aqui em Regência”. Tudo mentira, mas a ignorância é uma benção. Se soubesse antes de todas as dificuldades, eu não teria ido.

Acabei de conversar com ele e já descartei a ideia. Fui procurar um lugar pra dormir e conheci a Verônica, uma pessoa sensacional que me abrigou. Ela tinha um quarto sobrando e adorava música. Iniciava-se aqui uma amizade instantânea. No dia seguinte, disse a ela que um maluco tinha me dito para ao invés de pedalar, eu deveria descer o rio de caiaque. Ela disse “genial!”. Eu respondi que não, que a ideia era absurda. Ela disse que a ideia era ótima e que eu deveria fazer isso. Depois dessa conversa regada a muita música, ela foi fazer algo pela vila de Regência e eu fui limpar a corrente da bicicleta.

Quando ela volta, chega trazendo uma notícia: “já arrumei uma carona pra você ir com o caiaque até Mariana!”. Eu queria fingir que nem tinha escutado, mas eu estava de favor na casa dela. Eu disse “não, eu não tenho caiaque! Tenho uma bicicleta”. Mesmo com essa desculpa, ela afirmou que todo mundo da região teria caiaques para emprestar e que eu deveria deixar a bicicleta guardada em sua casa.

Mesmo contra minha vontade, fui conversar com a carona que ela havia me arrumado. Eu estava à toa mesmo. E não é que cheguei ao local e o cara estava disposto a me levar até Mariana com um caiaque mesmo? Ele ainda me disse para ir para casa dele e ficar uns dias e que ele me arrumaria um patrocínio. Nem dormi naquela noite. Eu não sei remar e tenho medo de cobra, então como eu iria descer o rio de caiaque?

Maurício Daros é o maior responsável pela realização da descida do rio Doce de caiaque. Ele iria só me dar carona, mas acabou descendo junto, abandonando namorada e emprego por um mês. E ainda levou junto seu cachorro, o sensacional Prateado!

O melhor foi a maneira como ele decidiu entrar na aventura. Ele conseguiu uma entrevista na Record News dizendo que eu ia descer o rio Doce de caiaque. Quando chegou na hora da entrevista, eu pipoquei e disse que estava procurando apoio para descer e que, se eu não conseguisse, iria manter o plano da bicicleta. A repórter então ficou meio perdida, já que a pauta era sobre um cara que desceria o rio. Ela começou a ficar meio descontente quando o Maurício levanta e quase entra na frente da câmera “vai descer sim, eu vou junto. Em uns quinze dias voltamos”. Nesse momento, resolvi um problema. Eu já tinha um parceiro para realizar a remada, só faltava agora conseguir ao invés de um, dois caiaques.

Ao entrar no carro após a entrevista, eu perguntei a ele se era certeza, se ele iria abrir mão do trabalho e dos compromissos por quinze dias para descer o rio comigo. Ele responde de forma bem educada como um bom mineiro do interior de Minas Gerais: “o morbônico! Eu não disse para a repórter que ia descer? Lógico que vou!” Eu respondi que estava tudo bem, então. Sem motivos para discutir!




Compramos um caiaque e emprestamos o outro. Estava formada a equipe Pedalágua #remalama. Eu, Maurício Daros e Prateado.

E no dia 08/09/2016, na ponte da BR-262 em um porto de areia, colocamos os caiaques na água e seguimos remando sem saber onde iríamos parar, comer ou enfrentar. O sol foi caindo e a noite chegando. Não enxergávamos nada e não conseguíamos remar devido ao grande volume de lama em algumas partes do rio. Estávamos exausto e eu estava me cagando de medo, mas resolvi relaxar. Não tinha o que se fazer. Não tínhamos telefone, lanterna ou lugar para chegar e meus medos de cobra, onça ou jacaré afloravam. Mas o que há de se fazer nessa situação? O Maurício resolveu acender um paieiro para dar uma relaxada. No momento em que ele acendeu o isqueiro, um barulho assustador e gigantesco ocorreu. As árvores que não conseguíamos ver estavam com muitos pássaros. E a cada vez que o Maurício acendia o isqueiro, os pássaros se debatiam nas árvores. Percebi nesse momento que estávamos sendo observados por muitos animais.

Decidimos parar sobre um banco de areia que encontramos. Armamos a barraca, fizemos uma fogueira e rezamos para que nenhuma onça ou capivara comesse o Prateado, que ficou amarrado para fora da barraca como uma espécie de alarme contra predadores. Amanheceu e percebemos que dormimos sobre uma bancada de lama da represa que cedeu e se acumulou em um meandro do rio. Percebemos também que pegadas de onça estavam próximas da barraca. E agradeci pela sorte da onça ter passado por lá alguns dias antes. Me faz bem acreditar que a pegada não foi feita nessa mesma noite.

Seguimos a remada no dia seguinte e percebemos que estávamos nós, Deus e a sorte de encontrar nos ribeirinhos apoio para comer e dormir. Não existe a possibilidade de uma viagem sem planejamento dar certo sem termos a ajuda das pessoas.

E, entre os dias 08/09 e 01/10, fomos bem acolhidos, enfrentamos cachoeiras, hidrelétricas, falta de comida, desconforto e observamos que tem muita gente preocupada com o futuro do rio Doce cheio de lama. Mas, ao mesmo tempo, há muitos políticos que não estão preocupados com o que ocorreu. Há quem veja um lado positivo nisso, já que uma grande quantidade de multas e indenizações está sendo paga para moradores e prefeituras. E algumas dessas pessoas preferem ganhar um dinheiro fácil do que demonstrar sua preocupação com o futuro do rio Doce e da qualidade de vida futura das pessoas e cidades abastecidas por essa água agora cheia de lama. E como eu escutei durante a expedição #remalama, “tomara que estourem mais umas duas ou três barragens lá pra cima. Nunca vi tanto dinheiro nessa cidade”. É, e assim caminha a humanidade.

Espero ainda poder contar cada detalhe desta jornada sobre o valor da água que realizei no rio Doce junto com o Maurício e o Prateado. Seria muito triste ver que algo parecido pode se repetir caso ninguém tome providências futuras. Existem outras barragens bem maiores do que a de Fundão, que estourou em novembro de 2015.

Será que estamos prestes a viver uma nova tragédia anunciada? A produção de minérios e rejeitos desta atividade continua da mesma maneira que acontecia anteriormente àquele novembro de 2015.

Da mesma maneira não! Agora o lucro das empresas envolvidas na mineração realizada nessa área é um pouco menor devido às multas e indenizações aos moradores das cidades que eram abastecidas pela água do rio Doce, para os ribeirinhos e para os pescadores que viviam do rio Doce.



Mas investidores, fiquem tranquilos e calmos! O lucro da Samarco e da Vale ainda continua na casa dos bilhões. Se mudou algo no meio ambiente, não foi a consciência de quem nele habita.


Episódio #RemaLama produzido pelo projeto Pedalágua. https://www.youtube.com/watch?v=ujzUE7oiWwA&t=44s

Abaixo links das matérias de TV sobre a expedição #RemaLama


Abaixo fotos da expedição #RemaLama

























 
 
 

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