Einstein já falou e eu estou aqui só para confirmar. Não que algo que ele tenha dito ou feito, neces
- valordaagua
- 14 de nov. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 20 de mar. de 2022
“Viver é como andar de bicicleta. É preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio”
Viver e pedalar têm tudo a ver. Essas duas ações são muito parecidas. Em ambas, encontramos subidas e descidas, em que as subidas podem ser associadas às dificuldades e trabalhos árduos; já as descidas, a momentos prazerosos em que esquecemos o quanto de trabalho duro tivemos para sentir a tranquilidade da brisa no rosto envolto de uma bela paisagem.
Nas subidas lentas e dificultosas, temos tempo para reclamar. Sentimos o coração bater forte e existe a necessidade de concentração e muita garra para chegar ao topo. Pensamos em chegar logo ao topo e no que acontecerá quando estivermos lá!
Quando finalmente chegamos, começamos a descer de forma rápida, aproveitando todo o peso do trabalho carregado que nos levou até lá. O mesmo peso que agora nos ajuda a desfrutar da velocidade que coloca em nosso rosto um semblante proveitoso da situação. Quase não nos lembramos das dificuldades que nos levaram a ter essa sensação momentânea de prazer.
Porém, quando o prazer da velocidade e da brisa no rosto acabam, precisamos recomeçar o ciclo do trabalho e pedalar até o topo novamente.
Em onze meses de pedal, eu sentia isso diariamente e de forma bem intensa. Foi igualzinho a qualquer outro período da vida, a única diferença é que as dificuldades e prazeres, as “subidas e descidas da vida”, eram alternados de forma rápida e constante. Às vezes até mesmo em pequenos intervalos dentro do dia.
Mantive um “diário de bordo” que fiz durante a cicloviagem, onde eu anotei dias de profundas alegrias que ocorriam devido aos almoços que ganhava, amizades que fazia, encontros e despedidas com pessoas sensacionais, descoberta de locais para dormir e a experiência de novas frutas e sabores da culinária nordestina.
Com as malditas subidas ao sol escaldante, com dificuldades de acomodar a bagagem equilibrada, pneus furados, corrente soltando da catraca, dificuldade de arrumar lugar para dormir, falta de dinheiro em espécie no bolso onde não se aceitava o cartão de débito, almoços preparados por mim (que nem sempre ficavam bons, já que cozinhar em uma bicicleta na estrada nem sempre fornece bons resultados) e desconfiança dos moradores de algumas cidades que não gostavam muito de forasteiros. Eu assemelho essas situações com as subidas dificultosas da vida!
Um exemplo desses dias de “subidas e descidas” foi o dia 24 de julho. Estava muito bem hospedado na casa do professor, músico, artista e cozinheiro, o argentino Jorge Galeano em Feira de Santana, na Bahia. Fiquei uma semana lá e só não fiquei mais porque tinha de partir e continuar a minha jornada. Ele estava muito feliz por ter sido convidado para ir à Suíça participar de um grupo de Jazz. Quando fui sair, ele disse “fique mais um dia, vamos ligar a guitarra e fazer um som, na janta eu faço outra pizza”.

Alguém pode me dizer por que eu disse não? Mas eu agradeci demais. Despedir-me dele foi chato e inconveniente. Ele me disse “fique, fique! Só mais um dia”. Os assuntos eram legais, o gosto musical batia, a comida era sensacional, mas mesmo assim eu parti. Parti com a sensação de ter encontrado e deixado um amigo daqueles a quem nunca faltam assunto. Aqueles que dá saudade de encontrar para conversar sobre a vida e o mundo. Mas lá fui eu.
Quando comecei a pedalar, eu sabia que desejava ir em direção à Chapada Diamantina, mas não sabia por onde sair. Feira de Santana é uma cidade grande, com muito trânsito e infelizmente (assim como em toda Bahia) muita estrada ruim quando se sai da cidade. Mas, antes de chegar até a saída certa, a qual eu esqueci de perguntar ao Jorge Galeano as coordenadas corretas para o caminho certo quando me despedi com vontade de ficar, o pneu furou quatro quarteirões depois.
Ok, procedimento base. Essa era a vigésima primeira vez que isso tinha ocorrido. Desmonta a bagagem, tira a roda e rapidamente (quase um pit stop da Ferrari na F1) o pneu estava remendado e pronto para encarar o caminho e furar novamente.
Três quarteirões depois, ainda sem rumo para a saída certa que levaria à Chapada Diamantina, a corrente escapou. Uma chuva desabou e não demorou a noite surgir. Prosseguir naquelas condições - estradas com pouco movimento e sem acostamento - ia por água abaixo junto com a chuva que caia. A água não era lá grande problema, mas a falta de luz sim.
Chave “saca corrente” na mão é um procedimento mais lento do que trocar o pneu. Esse problema ocorreu ao todo três vezes, e essa era a segunda vez. Não foi um pit stop da Ferrari. Foi bem lento. Enquanto dava um jeito na corrente, esbravejava meio revoltado “que merda, vou ter de pedalar à noite, não tenho lanterna, tô com fome, devia ter ficado na casa do Jorge”.
Pedalar com fome é horrível. Parei para almoçar em um bar, dois quibes e um litro de refrigerante (eu sempre escolhia aqueles feitos na região, coca ou guaraná genérico). Vi que o bar começou a encher.
Vi que torcedores do Vitória da Bahia estavam esperando aquele futebolzinho maroto no domingo, aquele que nos faz esquecer a tristeza da segunda-feira. Os torcedores do Vitória me perguntaram sobre a bicicleta, disse que estava indo para Chapada Diamantina. Conversar sobre futebol foi o próximo passo, comecei a relaxar e já tinha esquecido que estava bravo com os problemas técnicos da bicicleta. Alguém me deu a informação que precisava sobre qual caminho deveria seguir e logo em seguida me deu um copo de cerveja. Eu disse que era corintiano e que em 2016 não conseguiríamos repetir o bom futebol do título de 2015.
Os torcedores do Vitória estavam preocupados com o time, que faria um campeonato sofrido. Mais um copo de cerveja chegou em minha mão e uma ideia maravilhosa me foi apresentada “fique aí, pegue um ônibus”. No mesmo momento eu disse “não! Sou cicloviajante, estou fazendo uma ciclojornada”. Alguém disse de forma muito animada: “Fique aí, amanhã vendemo essa bicicleta, eu intero a compra de um fusca pra ocê. Ocê vai ficar menos aperriado de carro”. Mais um copinho generoso de cerveja me foi dado. Achei chato sair sem pagar nada. Paguei uma cerveja de despedida e a ideia do fusca não me fez sentido. Mas a ideia do ônibus pós-jogo começou a me agradar. Mais um copo de cerveja veio e o ônibus se fez necessário.
Nesse dia, depois de estar no “topo” na casa do amigo Jorge Galeano, encarar uma descida deliciosa, com brisas de boas conversas, comidas deliciosas, muita música e ótimas noites de sono, eu teria que subir até chegar a um novo topo. Nesse dia, entendi que não adianta esbravejar muito com a vida. É só pedalar pelas dificuldades e novamente encontrar um topo. Esse novo topo foi um bar com amigos torcedores de outro time, com cerveja gelada e ideias maravilhosas.
Einstein estava certo, a vida é muito igual a pedalar! Equilíbrio para entender os momentos prazerosos e dificultosos da vida se fazem muito necessário em nossa jornada. Encarar os problemas e curtir os frutos do trabalho de forma igualitária, sabendo que todo esse ciclo sempre irá se repetir me fez encarar a vida de uma forma mais leve. Ainda xingo e esbravejo muito. Mas sempre penso que todos os problemas vão passar.
Resumindo esse dia: o Vitória perdeu, aconteceu uma briga entre torcedores dentro do bar, tive de pagar e sair rápido do estabelecimento levando mais um quibe e uma coxinha para a janta. Quando cheguei na rodoviária, as passagens para o ônibus indicado no bar já tinham se esgotado.
Fazer o quê? O jeito foi se aconchegar em uma confortável cadeira plástica da rodoviária onde pude dormir tranquilamente com a bicicleta acorrentada no mesmo banco. Às seis da manhã, já tinha outro ônibus. Era só mais um ciclo onde xinguei todos os deuses do Olimpo e adormeci lendo um livro sobre a história da Chapada Diamantina.


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