Dez anos após o rompimento da Barragem de Fundão. No Brasil não foi crime, no Reino Unido sim.
- valordaagua
- há 2 dias
- 5 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
https://drive.google.com/file/d/1D74hbHMmEnGi5oNbwmjJPEahVRd5rjjT/view?usp=sharing segue o link para a lista com exercícios de vestibulares que cobraram questões sobre o tema do rompimento da barragem de Fundão em Mariana e a contaminação do Rio Doce com rejeitos de mineração.
Em 2016, em meio a minha ciclojornada, chegando ao décimo estado, o plano ainda era chegar aos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, depois de margear todo o Rio Doce, da foz em Regência-ES até o Mariana-MG após o rompimento da Barragem de Fundão para coletar imagens e entrevistas sobre toda a lama que matou o Rio Doce afogado, como me disseram os indígenas Krenak. Mas ao observar os fatos ocorridos, os planos mudaram e eu falarei sobre essa mudança mais à frente. Agora eu quero desabafar. Eu não posso dizer que foi um crime.

Mas com certeza foi. Me disseram para não utilizar a palavra crime por eu não ter como provar. Me aconselharam a dizer que foi uma tragédia, desastre, catástrofe, um acidente, acaso do destino ou até azar da região e dos afetados pelo rompimento da Barragem de Fundão em Mariana-MG no dia 5/11/2015. Afinal, a mineração fez do estado das “Minas Gerais”, um dos mais ricos da federação. Seria possível algo que gerou tanta riqueza no passado, gerar tanta morte e destruição no presente? Foram 43,7 milhões de m³ de rejeitos que causaram dezenove mortes, contaminaram todo o Rio Doce (que acomodou a maior parcela dos rejeitos e fez com que somente 20% da lama chegasse a sua foz em Regência) modificando o estilo de vida de milhões de pessoas que precisaram modificar sua forma de conviver com a água de um rio que sempre os alimentou. No Brasil eu ainda não posso dizer que foi crime, a Justiça Federal absolveu a Samarco, controladora da barragem e suas acionistas BHP e Vale, e as pessoas indiciadas pelo fato. Então, aqui em nosso país eu ainda não posso dizer que foi um crime.
Mas, se meu salário fosse em libra esterlina e eu estivesse em um pub no Reino Unido, ai sim eu poderia dizer gritar que Vale e BHP são criminosas. Dez anos após o rompimento da Barragem de Fundão, a justiça inglesa condenou a BHP, multinacional anglo-australiana com capital nas bolsas de valores inglesas e controladora da Samarco pelo crime por entender que ela possuía controle sobre os dividendos, questões operacionais e estratégicas sobre a barragem rompida. Essa condenação foi proferida pelos tribunais ingleses exatamente dez anos após o ocorrido. Tirando os Beatles, os Stones e o Futebol, eu não gosto muito dos ingleses.
Eles foram os caras que mais ganharam dinheiro com a escravidão, criaram esse estilo de vida urbano industrial iniciando a poluição com combustíveis fósseis em larga escala, foram grandes beneficiados com a divisão do continente africano no Congresso de Berlim (séc. XIX) e pegaram todo o ouro que os portugueses pegaram de nós (ladrão que rouba ladrão.......hUAhuHAUhuAHUa). E agora eles não respeitam a soberania brasileira ao julgar como crime o que o Brasil disse que não foi crime! Como fica a nossa moral com os gringos? É Trump, Musk e agora os ingleses! O que será do Brasil desse jeito? Ninguém mais respeita nossas decisões? Será que só na Geografia do Brasil nos preocupamos com os conceitos de Estados modernos, Território, Fronteiras e soberania nacional?
Eu ri muito escrevendo o parágrafo acima, mas agora é sério. A decisão inglesa, contrária a brasileira, abre muitas brechas para futuros problemas que possam ocorrer em um mundo cada vez mais globalizado, e lembrando Milton Santos “Fronteira é elemento crucial no entendimento de como a globalização molda o território de maneira desigual, tornando as fronteiras mais ou menos flexíveis dependendo dos interesses políticos e econômicos”. Muitos países e investidores tem interesses nas riquezas minerais dos países latinos e africanos. Esse novo campo jurídico aberto pelos ingleses pode tanto nos ajudar fazendo com que as grandes multinacionais tenham mais cuidado em suas tomadas de decisão quanto afastando investimentos dos países subdesenvolvidos e emergentes. Quero muito acreditar que essa decisão favorável as vítimas do crime por descaso a manutenção e desrespeito a capacidade de rejeito que levou ao rompimento da barragem de Fundão em novembro de 2015, realmente seja um marco na forma de pensar sobre os riscos sociais e ambientais que as atividades mineradoras podem causar. E como o assunto da vez agora é a Floresta Amazônica, já pensou se o mundo todo olhar para o dinheiro que é investido na exploração mineral em terras indígenas e começar a debater as decisões e leis brasileiras?
Mas nesse momento me encontro feliz pela decisão dos tribunais ingleses e realmente espero que esse seja um marco de responsabilidade das endinheiradas multinacionais com as questões ambientais. Espero que especuladores, investidores, acionistas, ceo’s tenham mais preocupação ambiental e governos legislem de forma mais efetiva, alcançando um amadurecimento sobre a importância ambiental e social para um crescimento econômico real que leve desenvolvimento para todos. Vamos aguardar um mundo com menos greenwashing (marketing verde, aquele que diz que tal produto foi desenvolvido e pensado para causar menos impacto ambiental, mas a única coisa que muda é seu preço mais elevado e falta de responsabilidade empresarial).




Por que eu estou escrevendo sobre esse tema? No começo destas linhas eu disse que no meio da minha ciclojornada, ainda com o objetivo de participar das festividades olímpicas meus planos mudaram. O plano era margear o Rio Doce de Bicicleta, de Regência-ES até Mariana-MG. Uma longa e cansativa subida da foz até a nascente. Enquanto eu elaborava e calculava as rotas e possibilidades deste trajeto, conheci o Huberth, um morador da praia de Regência. Ele me deu uma ideia absurdamente sensacional. “Cara, deixa a bike aqui e desce o rio de caiaque, será muito mais legal captar imagens e histórias de dentro do rio”. Outros personagens entraram na história e mesmo com todas as dificuldades e medos de largar a bike e achar um caiaque, surgiu a expedição “Rema Lama” junto ao Maurício Daroz e seu cachorro Prateado. Nós três descemos o Rio Doce de Mariana até sua foz em Regência por todo o mês de setembro de 2016, menos de um ano após o descaso da Samarco que resultou no crime e no rompimento da barragem. As vivências e a tristeza que convivi ao conhecer os afetados pela lama que soterrou histórias e vidas, afetando a forma de viver e a água de 620 mil pessoas é uma marco histórico muito negativo, que nem a condenação de R$ 250 bilhões pelos tribunais ingleses e os R$ 170 bilhões que a Samarco junto à Fundação Renova (criada para organizar de forma lenta e contraditória as indenizações junto aos atingidos) disseram ter gasto em reparações, serão capazes de trazer a vida ao equilíbrio que existia.

Como me disseram os Krenak “Mataram o Watu”. Tanta tristeza no percurso de um mês atolado no rejeito de mineração dentro do Rio Doce fez a expedição “Rema Lama” me atrasar e mudou a minha percepção sobre como é necessário termos um meio ambiente justo e equilibrado para todos. Eu não consegui atingir a minha meta de chegar ao Rio de Janeiro para participar das festividades olímpicas. Normal, eu sempre sou lento e atrasado. pareço a consciência ambiental debatida na COP-30.
Watu: Pai e mãe da etnia Krenak, conhecido por nós como Rio Doce.
Greenwashing: Estratégia de marketing fraudulenta onde marcas e empresas promovem produtos como ambientalmente conscientes e sustentáveis, sem adotarem práticas verdadeiramente responsáveis.
https://www.youtube.com/watch?v=ujzUE7oiWwA Link do episódio “Rema Lama” do documentário “qual é o Valor da Água para você?” – Produzido durante a descida de caiaque pelo rio Doce em 2016
Fontes:






Comentários